Era uma segunda-feira e eu com gripe, coluna travada, ciático dolorido e sem dinheiro, mal conseguindo fazer atividades comuns do dia a dia, então decidi caminhar vaga e lentamente pela praia perto de casa quando, já na areia, me veio aquele desejo incessante de entrar na água e apenas nadar. Nadar até que eu não tivesse mais forças, para que eu afundasse e tudo acabasse ali mesmo, pois eu já estava sem perspectivas.
Foi na sexta-feira da mesma semana, enquanto eu estava na mesma praia, desta vez a noite, sentindo a brisa suave no rosto, curado da gripe, com as costas e o ciático melhores, e tentando não me importar com a falta de dinheiro, que recebi uma ligação da minha mãe. A notícia: um primo acabara de morrer. Fora encontrado dentro do próprio veículo em uma estrada no interior do Mato Grosso, já sem vida. Ele morava por ali.
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Essa semana não foi fácil, mas passou. Após os pensamentos suicídas de segunda, que continuaram na terça, eu senti um sinal de alerta se acender dentro de mim. Percebi que não era algo saudável e procurei falar com meus melhores amigos para me certificar de que eu pudesse receber certo conforto. Recebi. De cada um ouvi palavras que me serviram de diversas formas e, então, foi a última vez em que chorei por aquilo, encerrando um ciclo que começou após eu perder um grande trabalho e terminar meu último relacionamento.
Nesses dias, me falaram da tal pulsão de morte que, na teoria psicanalítica freudiana clássica, é a pulsão em direção à autodestruição. Mas que, na verdade, serve como um mecanismo em que você quer matar o que está sentindo, aquela dor, aquela angústia sem fim, e só consegue fazer isso de forma rápida se tirar a própria vida.
Eu tinha consciência, porém, de que não queria morrer. Afinal, quanta alegria e prazer eu já senti nessa vida e que me fazem querer continuar? Com certeza muito mais do que o que me faz querer morrer. Esperei. Quarta e quinta já me sentida melhor. Fiz minha sessão de terapia quinzenal e reforcei o que eu já sabia: eu não precisava fazer absolutamente nada além de esperar. Quase um "viver para ver".
Infelizmente, na sexta, dia em que eu já me sentia pleno o suficiente pra me arrepender daqueles pensamentos horríveis de segunda, recebi a notícia da morte do meu primo, que não era nem três anos mais velho do que eu, tinha uma filha bebê e era uma pessoa muito agradável. Tranquilo, educado, bem humorado. Uma das minhas lembranças mais antigas com ele, com quem passei parte da minha infância, por exemplo, foi a de que, quando se reunia comigo, minhas irmãs e a irmã dele, minha prima, comprava doces e escondia pela casa para que a gente procurasse.
Depois, na adolescência, quando ele se mudou com a mãe e a irmã para uma cidade grande, só nos viamos nas férias. Ele era minha referência de jovem bem sucedido: roupas e acessórios legais, vídeo games e jogos de última geração, sabia as músicas 'tops' do momento, já dirigia e entendia de carros, sabia dos lugares legais e sacava de quase tudo de tecnologia naquela época.
Apesar de ele ser referência, por muito tempo também senti inveja. Eu nunca fui muito ligado à status e estética, mas eu sempre quis dirigir, sempre amei vídeo games, gostava da ideia de morar em uma cidade grande, então parte daquela vida eu queria que fosse minha também. Isso me fez ser injusto com ele nos meus pensamentos. Por que, como eu disse, ele era uma pessoa realmente bondosa.
Parte disso, nos dias seguintes à sua partida, e no impulso de pensamentos, cheguei a refletir se deveria ser eu a ir, afinal era eu quem estava querendo morrer naquela semana. Assim como eu, porém, tenho certeza de que ele não queria morrer de verdade e nem deveria. Mas o que, neste mundo, é do jeito que deveria ser? O que neste mundo acontece de forma totalmente justa e agradável? Não preciso nem responder.
Bom, isso tudo já faz uns dias, mas só me senti bem para escrever sobre isso agora, que consigo enxergar o que se passou comigo de uma forma mais clara, e agora que a tristeza de perder um primo amenizou. Apesar de ser dificil cair a ficha.
Durante a minha vida eu perdi poucas pessoas realmente próximas e o pior (melhor, dependendo da perspectiva), nunca precisei lidar com nada sobre morte. Nunca fui responsável por nenhuma situação que envolvesse morte. E, hoje, aos meus 34 anos, isso se torna um medo frequente, por que eu não quero lidar com isso nunca, mas, principalmente, eu não quero perder ninguém que eu amo.
Carpe Diem
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