sábado, 22 de março de 2025

A última sobre mortes

Ainda inspirado sobre como todos os tipos de morte agem em nós, decidi escrever sobre as mortes na minha vida, já que, surpreendentemente, quase todas, mesmo que poucas, foram traumáticas e repentinas. Não que a morte por si só já não seja traumática, mas sim da forma como aconteceu comigo, ao menos.

Considerando as mortes de pessoas próximas, que eu lembro sem precisar consultar ninguém sobre detalhes, a primeira que perdi foi meu avô materno. Ele morreu de câncer e eu nunca lembro o ano ou qual tipo de câncer, tendo sempre que perguntar a minha mãe. Das lembranças que tenho dele, são ele acusando a mim (seu neto, uma criança de, sei lá, 8 anos) de roubo por que eu achava moedas pela mansão em que ele e minha avó moravam.

Eles moravam em uma mansão porque eram caseiros da chácara onde a mansão ficava, na cidade de Goiânia. Hoje eu não sei mais sobre a real história das moedas. Se eu estou certo, eu realmente achei moedas e me sentia o máximo achando, então peguei algumas do cofrinho dele e fingia que achava. Acho que foi isso.

Também lembro dele puxando a minha orelha com muita força porque saí da casa sem autorização para ver uma pipa que caiu do outro lado da rua. Por fim, lembro EXATAMENTE o dia de sua morte: estavam todos apreensivos com a fraqueza extrema do meu avô, que nos últimos dias estava em casa acamado. Eu estava com minha irmã em uma goiabeira no quintal quando ouvi minha vó gritar "O Severino morreu!", eu e minha irmã ficamos assustados e eu disse pra ela "Talvez ele só desmaiou", quando fomos surpreendidos pela dona da mansão, muito amiga dos meus avós, dizendo "Ele realmente se foi!".

Poucos anos depois a notícia da próxima morte: um tio materno, o José. O irmão mais velho da minha mãe, o que aparentemente ela mais gostava e o que era muito parecido comigo. Se eu não me engano, ele, que era caminhoneiro, foi encontrado morto dentro do caminho após ter sofrido uma parada cardíaca aos 45 anos. Também não tenho certeza da idade.

Apesar de eu ter poucas memórias afetivas com ele, assim como com meu avô Severino, a morte dele repercute de uma forma muito maior na minha vida até hoje. Isso porque são muitas as variáveis envolvidas e que se cruzam no meu destino. Primeiro, ficou incerto se ele morreu por abuso de medicação, álcool ou outras drogas. Segundo, ele já tinha um histórico péssimo de saúde, tendo recebido um rim da minha mãe cinco anos antes por conta de falência renal.

Terceiro, e o mais importante, ele poderia ter a doença genética que eu tenho, mas que a família só descobriu recentemente, o que, por isso, me faz pensar muito mais sobre vida e morte, e o tempo que me resta. Atualmente, apesar de já tomar remédio para o coração, meus exames dizem que estou extremamente saudável, mas manter isso não é uma tarefa saudável, e a energia que gasto com meu cérebro me deixa exausto.

Eu lembro como se fosse ontem o dia em que minha mãe recebeu a notícia da morte do meu tio. Estávamos em alguma fazenda entre Ribeirão Cascalheira e Querência, no Mato Grosso, quando o telefone da casa da fazenda tocou e era pra ela a ligação. Não lembro quem era, mas lembro que ela dizia "Fala logo o que aconteceu!", e quando ela soube lembro dela deitada na cama de um dos quartos chorando inconsolavelmente.

O enterro foi em Goiânia, assim como o do meu avô Severino, pai de José. Eu não fui a nenhum dos enterros, aliás. Meus pais não me levaram e nem a minha irmã, por algum motivo.

Novamente, posso estar enganado, mas pessoas realmente próximas não morreram em um grande período de tempo, quando, infelizmente, meu avô paterno faleceu. Foi em 2010, após algo muito ruim acontecer com meu pai. O pai do meu pai, Antonio Carlos, conhecido como Carlão, com quem eu tive muitas memórias afetivas, sempre foi um modo de perceber como pessoas boas também podem ser más.

Passei a infância e adolescência sabendo histórias de como ele tratava mal a minha vó e outras pessoas, era violento, grosso, traía, mas era um amor com os netos e amigos. Ele já estava debilitado e, para mim, nunca ficou claro se ele se matou ou se também abusou demais de medicações e álcool na noite em que morreu. Mas foi encontrado de manhã, dado a entender que morreu dormindo. Ele foi enterrado na cidade em que morávamos, Barra do Garças.

Dois anos e um mês depois, eu perdi o Junior, como já contei aqui. Foi a primeira pessoa com quem me relacionei amorosamente e que morreu. Depois disso, nunca perdi alguém enquanto estava com a pessoa, mas lembro ao menos de outros quatro rapazes com quem já estive e que não estão mais vivos, um deles conto adiante.

Antes, porém, quatro anos depois do Junior, em 2016, também em um dezembro, minha mãe perdeu outra pessoa. Dessa vez, a mãe dela. Minha vó materna, a Vó Marina, se foi. Ela com certeza foi a pessoa mais próxima que perdi até hoje, afinal eu, com meus 25 anos, na época, havia passado 25 anos sabendo que ela era minha vó, a vendo todos os anos, sem exceção, e recebendo seu amor.

Ela era, e é, um dos maiores exemplos de ser humano que eu tenho até hoje, embora isso não seja exatamente uma coisa boa. Explica: ela era extremamente acomodada com o jeito como a vida era, era aquilo e PRONTO e eu invejo isso, por que eu, por exemplo, não aceito muita coisa que chega até mim.

Parando pra pensar agora, ela era muito peculiar, muito única. Não lembro de conhecer alguém igual a ela, que vai sempre ter um espaço no meu coração. Seus últimos dois anos foram bem difíceis, estava muito debilitada, mas os filhos cuidaram como puderam, até que, um dia, enquanto estava na casa de uma das filhas, não minha mãe, em uma fazenda no interior do Mato Grosso, ela piorou e morreu. O enterro também foi em Barra do Garças onde estão, agora, todos os túmulos da minha família materna, e do meu avô paterno.

Ainda sobre a morte de pessoas com quem me relacionei, lembro desses outros quatros, mas um me marcou. Acho que foi entre 2017 e 2018, um dos períodos mais longos em que estive solteiro e conheci esse meu vizinho. Ele morava dois andares acima de mim, parecia uma boa pessoa, apesar de triste. Não notei nada de estranho nele, nada incomum, como percebo em várias pessoas que conheço.

Mas semanas depois de ter conhecido e ficado com ele uma noite, soube que ele havia morrido. Sua mãe o encontrou já sem vida dias após ele não falar com mais ninguém. Eu soube pelo porteiro e pronto: o trauma estava instalado. Até hoje, vez ou outra, principalmente quando estou só, me vem este medo de morrer e ser encontrado dias depois, por que não tenho ninguém próximo o suficiente pra não me deixar apodrecer na cama caso eu morra subitamente. Não que importe para mim pós morte, mas enquanto estou vivo, infelizmente isso é algo que consome a minha mente, como eu disse, vez ou outra.

Chegamos a 2019 e, em agosto, perdi minha única bisavó viva. Apesar de não ser extremamente ligado a ela, tinha a visitado recentemente e ela era maravilhosa. Só ouço coisas boas sobre e as poucas vezes em que estive com ela pessoalmente comprovei como era um ser de luz, felicidade e serenidade. Eu lembro o ano, pois fiz uma tatuagem na mesma semana em que ela faleceu.

E então, quase seis anos depois sem absolutamente ninguém próximo de mim morrer, no último dia de fevereiro de 2025 recebo a notícia, dada pela minha mãe, em uma noite de sexta-feira de Carnaval que o meu primo havia morrido. Ele, que tinha pouco mais de dois ou três anos de vida do que eu, era forte, bonito, rico, esperto, gente boa, simplesmente não está mais entre nós.

Não o considero, porém, mais próximo do que minha vó materna, claro, por motivos óbvios, mas também por que diferente da minha vó Mariana que eu via todo ano, havia anos em que eu não via o Caio.

E são essas minhas ligações com mortes, que provavelmente definem parte de quem sou hoje. Isso tudo muda a gente e, eu falo com certeza, que foram poucas, e isso mexe muito comigo. Porque a cada ano que passa a possibilidade de haver mais mortes é real, e me preocupa, me faz ser ainda mais sedento pelo hoje, pelo agora, por amar todos que amo cada vez mais e não querer vê-los partir, assim como também não quero partir, claro.

Sinto que isso me torna fraco. Não me sinto preparado para nada. Ainda que tenho passado por outros tipos de luto, diversos, envolvendo trabalho, amores, amigos, e as mortes que ocorrem todos os dias a todos os momentos, dos anônimos aos famosos, nada disso me prepara. Acho que não prepara ninguém.

Ao menos eu posso escrever, o que ajuda a drenar essa tempestade que é minha mente. E assim, quem sabe, renascer de alguma forma. Fazer o que posso por quem já foi, e viver o meu dia.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Ainda sobre morte e vida

Ele morreu há pouco mais de 13 anos. 13 anos e três meses para ser exato. Era uma quarta-feira, dia 21 de dezembro, e o próximo final de semana era Natal. Tínhamos a mesma idade: 20 anos. Nos conhecíamos há apenas 14 dias. Duas semanas. Metade de um mês.

A primeira lembrança que tenho foi dele passando por mim vestindo aquela roupa, um uniforme todo preto e elegante, na festa de inauguração do salão em que ele trabalhava. Ele me ignorou completamente, mas era compreensível, era muita gente, tudo precisava estar perfeito e ele estava trabalhando, afinal. Eu era convidado. Na verdade, minha mãe era e me levou, já que ela e a dona do salão eram grandes amigas.

Eu não desisti e, dias depois, com a ajuda da minha mãe, que era cliente dele, consegui chamar um pouco de atenção e conversamos pela primeira vez no Facebook. Daí em diante, os papos confirmaram o por quê de ele não ter me dado atenção na festa:

"Sou tímido", "achei que você era hétero", etc.

Mas bastou alguns dias conversando para que nos encontrássemos pessoalmente. Infelizmente não lembro do primeiro encontro, exatamente, mas sei que ele foi a primeira pessoa com piercing na língua que beijei. 

Lembro também dos passeios de moto, dos fins de tardes à beira do Porto do Baé e de um momento específico em que estávamos sozinhos na casa dele, nus pela primeira vez, em que perguntei o que era aquele furo na protuberância de pele logo acima do seu umbigo.

Que ingenuidade a minha, era a marca de outro piercing. Só fui me dar conta dias depois, já depois de sua partida. O mais triste, porém, foi ele ter mentido que era uma cicatriz. Triste não por que ele mentiu, mas o por quê ele o fez: tinha vergonha daquilo, do próprio passado.

Não quero entrar em méritos dos porquês ele estava neste processo de mudança que o fez sentir vergonha dos últimos anos, tudo isso envolve a patroa que era (é) evangélica e o "ajudou" a mudar de vida.

A questão é que ele era transformista, ou dragqueen, e premiada!

Mas, aparentemente, tinha abandonado aquela vida por uma mais discreta, mais "máscula" até, por conta dessa patroa, por conta própria também talvez e sabe-se lá mais o porquê. Mas isso foi o que descobri depois de sua morte, então realmente não importa.

Ainda durante os 14 dias de "namoro", a única coisa que restou foi o histórico de conversas no Facebook, e eu reli hoje, depois de passar por lutos metafóricos e literais e ler livros sobre lutos metafóricos e literais. Lembrei dele e reli tudo, com muita tristeza.

Naquela época, coincidentemente, ambos iríamos tirar férias no próximo fevereiro e o sonho dele era conhecer Salvador. Algo tão simples, tão "fácil" de realizar. Mal tivemos tempo de planejar a viagem. Outro sonho dele era fazer faculdade, queria fazer ciências contábeis e deixar o trabalho de cabeleireiro. Quantos sonhos mais ele devia ter e que foram enterrados com ele antes mesmo de qualquer chance de realizá-los.

Tanta coisa em tão pouco tempo. Tudo escorreu pelas minhas mãos, por nós, já que eu fiquei.

Era uma quarta-feira, como eu disse. Eu voltava do almoço para mais um dia qualquer de trabalho. Dirigia o carro da minha mãe, pois ela ficava com o veículo do trabalho dela, e morávamos longe do centro. 

Não lembro se já contei a história aqui, mas já contei várias vezes em outras ocasiões e novamente: parei na esquina do trabalho por conta do semáforo, que estava vermelho. Não estacionei antes, pois era um inferno encontrar vaga por ali, então eu precisava cruzar aquela que era a principal Avenida da cidade e, quando deu verde, eu só fui devagar, olhei à esquerda e a primeira coisa que vi foi uma ambulância socorrendo um homem loiro vestindo um uniforme preto e elegante.

Eu já sabia, de algum jeito eu já sabia, era óbvio e só não quis acreditar. Estacionei o mais rápido que eu pude, corri para a loja de móveis planejados onde eu trabalhava e que era quase em frente ao local do acidente - a ambulância já havia o levado - e liguei para o salão em que ele trabalhava. Perguntei se ele estava lá e a resposta foi de que ele havia acabado de sair para almoçar. Então eu precisei avisar que era ele quem poderia ter sofrido um acidente de moto na Avenida e que avisassem a mãe dele para todos terem certeza.

Nesse meio tempo eu precisei visitar um imóvel em construção, tirar medidas de paredes, um trabalho simples, que parecia simplesmente impossível. Naquela altura eu não sabia mais quantos centímetros formam um metro sequer. Tentei, mas voltei para a loja onde, então, eu soube que ele estava no pronto socorro, que o trauma no crânio havia sido gravíssimo e ele estava vivo apenas com a ajuda de aparelhos, já que o coração continuava batendo.

Fui liberado do trabalho, fui ao hospital esperar com a família e amigos, mas bastou algumas horas mais para sabermos o que já sabíamos, não havia solução. O caminhão que o acertou na cabeça fez um estrago muito grande, mesmo com o uso de capacete.

Eu nunca soube como aconteceu, acho que ninguém, ele apenas caiu da moto naquela maldita avenida principal da cidade, onde a descida era amena, e a moto foi para a calçada, enquanto ele foi parar debaixo de um veículo que pesa dezenas de toneladas.

Depois do anúncio oficial da morte, eu lembro apenas de flashes: fui ao velório, que aconteceu na casa dele, toquei no corpo já sem vida, enquanto minha mãe me abraçava e chorava, fiquei por alguns minutos no quarto dele, agora sozinho, sem carinho, sem conchinha, sem sustentação. Fui ao enterro no dia seguinte e, quanto o túmulo foi fechado, uma pequena ficha caiu, nunca mais o verei. Após isso, eu não conseguia comer, comi meia pera em dois dias, dormi muito e, depois, o processo do luto aconteceu como acontece com todo mundo, acredito eu.

Não há nada demais na história em si, e ao mesmo tempo há tudo. É um episódio triste da minha vida, como acontece com absolutamente todas as pessoas do planeta Terra. Eu também não sei que coisas este trauma desencadeou na minha vida. Eu sinceramente não sei se isso me marcou a ponto de eu me tornar alguém diferente do que eu era, mas provavelmente sim.

Acontece que eu acho que mudei muito e muito de tudo que acontece na minha vida me muda. Graças ao Universo acredito que a grande maioria dos acontecimentos me fez genuinamente bem, trazendo mudanças que me fazem ser uma pessoa melhor, mas outras me fizeram mal e me fazem ter atitudes de uma pessoa não tão boa. Espero que eu seja mediano, ao menos.

Acho que fico por aqui, já foi muito doloroso reviver tudo isso, mas senti necessidade de escrever isso, então aí está. Como acredito em vida após morte em terra, espero que Junior esteja bem, ele definitivamente merece paz, seja em espírito ou, quem sabe, em uma nova vida ganha em algum lugar por aí.

Enquanto a mim, enquanto eu viver acho que talvez algumas coisas não mudem: a vontade de fazer o que quero, o amor que tenho pela vida, a importância que dou pra quem está próximo de mim, o reconhecimento de que eu posso e devo errar para poder seguir e a certeza absoluta de que eu mereço muito tudo de melhor que possa vir e que eu mereci tudo de melhor que já veio.

Das pessoas da minha família que amo, dos amigos que amo, dos amores que amei e ainda amo, do conhecimento que adquiri, dos trabalhos que conquistei, das viagens que fiz, dos auto cuidados aos quais me proporcionei, da paz que recebi, tudo que eu mereci e hei de merecer um dia após o outro até que seja, então, a hora de partir, demore ou não, não tem problema quando. Tudo tem que valer a pena!

quinta-feira, 13 de março de 2025

Pulsão de morte e A morte

Era uma segunda-feira e eu com gripe, coluna travada, ciático dolorido e sem dinheiro, mal conseguindo fazer atividades comuns do dia a dia, então decidi caminhar vaga e lentamente pela praia perto de casa quando, já na areia, me veio aquele desejo incessante de entrar na água e apenas nadar. Nadar até que eu não tivesse mais forças, para que eu afundasse e tudo acabasse ali mesmo, pois eu já estava sem perspectivas.

Foi na sexta-feira da mesma semana, enquanto eu estava na mesma praia, desta vez a noite, sentindo a brisa suave no rosto, curado da gripe, com as costas e o ciático melhores, e tentando não me importar com a falta de dinheiro, que recebi uma ligação da minha mãe. A notícia: um primo acabara de morrer. Fora encontrado dentro do próprio veículo em uma estrada no interior do Mato Grosso, já sem vida. Ele morava por ali.

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Essa semana não foi fácil, mas passou. Após os pensamentos suicídas de segunda, que continuaram na terça, eu senti um sinal de alerta se acender dentro de mim. Percebi que não era algo saudável e procurei falar com meus melhores amigos para me certificar de que eu pudesse receber certo conforto. Recebi. De cada um ouvi palavras que me serviram de diversas formas e, então, foi a última vez em que chorei por aquilo, encerrando um ciclo que começou após eu perder um grande trabalho e terminar meu último relacionamento.

Nesses dias, me falaram da tal pulsão de morte que, na teoria psicanalítica freudiana clássica, é a pulsão em direção à autodestruição. Mas que, na verdade, serve como um mecanismo em que você quer matar o que está sentindo, aquela dor, aquela angústia sem fim, e só consegue fazer isso de forma rápida se tirar a própria vida.

Eu tinha consciência, porém, de que não queria morrer. Afinal, quanta alegria e prazer eu já senti nessa vida e que me fazem querer continuar? Com certeza muito mais do que o que me faz querer morrer. Esperei. Quarta e quinta já me sentida melhor. Fiz minha sessão de terapia quinzenal e reforcei o que eu já sabia: eu não precisava fazer absolutamente nada além de esperar. Quase um "viver para ver".

Infelizmente, na sexta, dia em que eu já me sentia pleno o suficiente pra me arrepender daqueles pensamentos horríveis de segunda, recebi a notícia da morte do meu primo, que não era nem três anos mais velho do que eu, tinha uma filha bebê e era uma pessoa muito agradável. Tranquilo, educado, bem humorado. Uma das minhas lembranças mais antigas com ele, com quem passei parte da minha infância, por exemplo, foi a de que, quando se reunia comigo, minhas irmãs e a irmã dele, minha prima, comprava doces e escondia pela casa para que a gente procurasse.

Depois, na adolescência, quando ele se mudou com a mãe e a irmã para uma cidade grande, só nos viamos nas férias. Ele era minha referência de jovem bem sucedido: roupas e acessórios legais, vídeo games e jogos de última geração, sabia as músicas 'tops' do momento, já dirigia e entendia de carros, sabia dos lugares legais e sacava de quase tudo de tecnologia naquela época.

Apesar de ele ser referência, por muito tempo também senti inveja. Eu nunca fui muito ligado à status e estética, mas eu sempre quis dirigir, sempre amei vídeo games, gostava da ideia de morar em uma cidade grande, então parte daquela vida eu queria que fosse minha também. Isso me fez ser injusto com ele nos meus pensamentos. Por que, como eu disse, ele era uma pessoa realmente bondosa.

Parte disso, nos dias seguintes à sua partida, e no impulso de pensamentos, cheguei a refletir se deveria ser eu a ir, afinal era eu quem estava querendo morrer naquela semana. Assim como eu, porém, tenho certeza de que ele não queria morrer de  verdade e nem deveria. Mas o que, neste mundo, é do jeito que deveria ser? O que neste mundo acontece de forma totalmente justa e agradável? Não preciso nem responder.

Bom, isso tudo já faz uns dias, mas só me senti bem para escrever sobre isso agora, que consigo enxergar o que se passou comigo de uma forma mais clara, e agora que a tristeza de perder um primo amenizou. Apesar de ser dificil cair a ficha.

Durante a minha vida eu perdi poucas pessoas realmente próximas e o pior (melhor, dependendo da perspectiva), nunca precisei lidar com nada sobre morte. Nunca fui responsável por nenhuma situação que envolvesse morte. E, hoje, aos meus 34 anos, isso se torna um medo frequente, por que eu não quero lidar com isso nunca, mas, principalmente, eu não quero perder ninguém que eu amo.

Carpe Diem