terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Uma estória de natal do futuro e de traz pra frente

Nos noticiários recentes a machete "Adolescente mata mulher e é morto pela polícia" chama atenção. Os comentários também têm destaque pelo alto engajamento dos leitores: "Bandido bom é bandido morto!", "Já que o Estado não prende, o melhor é morrer mesmo", "Esse deveria ter sido abortado" entre outros.

Ele morreu e viveu infeliz durante todo o seu sempre. Foi isso que aconteceu com o jovem Júlio, de 17 anos, negro e da favela, quando foi baleado por Eduardo, branco, um policial de 28 anos, de classe baixa, treinado, mas cansado, desmotivado e que nunca havia matado um ser humano, nem nunca quisera. Júlio foi morto por ter cometido latrocínio. Ele assaltou uma loja onde Ivana, branca, uma simples balconista de 32 anos, da classe média, casada e que era feliz com seus dois filhos, trabalhava. Enquanto o menor pedia por dinheiro, a funcionária só conseguia continuar em choque e num mesmo momento uma viatura da polícia por ali passava. Algum tempo depois e tiros disparados, o cenário era de duas pessoas assassinadas e uma pessoa traumatizada pelo resto da vida. Disso, três famílias afetadas, a de Júlio durante toda sua vida, a de Ivana a partir de agora, e a de Eduardo, dali pra frente.

Antes disso tudo, Júlio, que já procurava um lugar de fácil acesso para assaltar, era ajudado por Marcelo, de 19 anos, negro e da favela. A diferença entre os dois, além da idade, era de hierarquia, pois Júlio consumia o craque e a cocaína vendidos por Marcelo e, este, por sua vez fazia com que Júlio, por ser menor assaltasse os lugares escolhidos por ambos, já que, se pego, não seria preso. Isso já era rotina de dois anos e juntos iam em cima da moto, de local em local, praticando os crimes, apenas roubo. Se a polícia aparecesse a ordem era Marcelo fugir e o Júlio se virar como podia, depois se encontravam no barraco, num bairro muito afastado da movimentação da cidade e armavam novas abordagens criminosas.

Isso tudo aconteceu, mas antes tem mais história, por que o Júlio, de 13 anos, pobre, negro e da favela, nunca teve a figura de um pai presente. Seu pai existe, o André, de 42 anos, negro, pobre, alcoólatra, desempregado e de paradeiro desconhecido, só que não podia ser lembrado pelo filho, já que tinha o abandonado antes mesmo de nascer. Mas Júlio tinha irmãos presentes, a Janete de cinco anos e José de oito, todos de pais diferentes e a mãe Ednalva, de 23 anos, negra, pobre e empregada doméstica que lhe dava apenas o de comer, pois não foi acostumada a viver com afeto e educação o suficiente para que pudesse repassar.

Durante a infância Júlio teve pouco contato com a escola, apesar de sua mãe insistir ao máximo que ele estudasse para não ser um ninguém, era difícil acompanhar o crescimento do filho com tanto trabalho. Então, por natureza e possíveis faltas de oportunidades, o pequeno Júlio não se sentiu atraído pelo sistema de ensino oferecido pelo governo. Matava aula com frequência para fazer o que tivesse vontade. Para a professora de história Bruna, branca, de 25 anos, classe média e solteira, era difícil ver o pequeno Júlio e imaginar o que se passava na cabeça e na vida do Jovem, mas para a professor de matemática Gabriela, de 37 anos, branca, classe média e casada, Júlio era só mais um aluno como qualquer um dos seus outros 146.

Com suas diárias garantidas, a empregada Ednalva consegue alugar um barracão para morar com seus dois filhos. Já era hora de sair da casa de sua conhecida, Odete, de 22 anos, branca, pobre e da favela, onde morava de favor.

Dezembro de 2017, a jovem Ednalva, de 16 anos, negra, pobre e moradora de favela, estava grávida e não sabia o que fazer. A mulher procurou André, de 29 anos, negro, pobre e pai da criança, mas ele disse que não poderia sustentar a ela e mais um filho. Ednalva lembra que no ano passado uma conhecida sua, Wania, de 18 anos, negra, pobre e da favela, morreu ao tentar abortar, então, por mais que essa ideia lhe passasse pela cabeça, não valeria o risco. Decidiu ter o filho, mas não tinha a mínima ideia do que fazer, pois morava com a vó, Lúcia, de 65 anos, negra, pobre que a expulsou quando soube da gravidez. A alternativa foi morar com outra conhecida em troca de cuidar de seus filhos.

Abril de 2016, Wania, de 17 anos, é encontrada morta em casa e laudo preliminar indica tentativa mal sucedida de aborto. Wania havia sido estrupada, mas ninguém sabia. Nos noticiários compartilhados pelas redes sociais as machetes só diziam que ela havia sido encontrada morta pela tentativa do aborto, mesmo. Os comentários mais engajados na internet eram: "Se tivesse fechado as pernas duvido que isso teria acontecido", "Foi tentar assassinar o bebê, acabou morrendo também", "Não sabia usar uma camisinha? Nem anticoncepcional. O Estado dá isso de graça", "Quer matar? Que morra junto!", entre outros.

Uma das pessoas que comentou foi Fabiana, de 32 anos, branca, da classe média, casada, dona de casa e mãe. Fabiana passa o dia na internet comentando sobre tudo, pois é "apenas a opinião dela", enquanto isso seu filho Eduardo, de 9 anos brinca de arminha com um colega, seu sonho é "ser policial para poder prender os bandidos".

FELIZ NATAL E FELIZ 2035

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